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A mãe do sertão

Fundadora da Ong Amigos do Bem, Alcione Albanesi cuida de mais de 150 mil pessoas no sertão nordestino

Por Chantal Brissac

Há 29 anos, desde que fundou a instituição Amigos do Bem, um dos maiores e mais bonitos projetos sociais do país, a paulistana Alcione Albanesi viaja quase todos os meses para o semiárido nordestino, lugar que é praticamente a sua segunda casa.

Alcione Albanesi

Os Amigos do Bem atuam no sertão de Alagoas, de Pernambuco e do Ceará, onde rompem um ciclo secular de miséria na região e atendem 150 mil pessoas. O objetivo é transformar vidas por meio de projetos contínuos de educação, geração de renda, acesso à água, moradia e saúde. Esse trabalho, que Alcione iniciou em 1993 ao levar alimentos para a região com um pequeno grupo de amigos, hoje conta com 10 mil voluntários, que se revezam entre a sede, em São Paulo, e 130 povoados nordestinos.

Alcione Albanesi, fundadora da Ong Amigos do Bem

Alcione lembra como nasceu esse movimento, que já foi reconhecido e premiado por várias instituições. “Ver a situação do Nordeste começou a me incomodar muito, e eu então reuni amigos e propus uma mobilização para ajudar as pessoas da região. Juntei os mais chegados, que chamaram outros, e sugeri que arrecadássemos alimentos, roupas e brinquedos para distribuir. Conseguimos levar 1.500 cestas”, recorda Alcione. Assim brotou o projeto Amigos do Bem.

“Na minha rotina normal, vou todos os meses e fico cerca de 15 dias no sertão. Percorro os povoados, conversando com as famílias, com as minhas crianças, acompanhando os projetos e fazendo distribuições”, ela afirma.

O programa envolve hoje quatro Cidades do Bem, vilarejos que acolhem famílias em casas de alvenaria, e quatro Centros de Transformação, que atendem 10 mil crianças e jovens em atividades educativas e culturais. Cursos de informática, culinária, cabeleireiro e manicure também integram o projeto, que oferece bolsas em instituições de ensino superior. Outra frente é a autonomia financeira das famílias da região, com as fábricas de beneficiamento de castanha de caju e de doces.

Mesmo durante a pandemia, ela não deixou de visitar as famílias. Junto aos voluntários, organizou um plano emergencial para acompanhar de perto a situação dos moradores dos vilarejos, mas tomando todos os cuidados necessários. “Nesses anos todos de sertão, nunca vi tantas pessoas com medo, assustadas e com fome. Eu chegava ao vilarejo e crianças pequenas vinham correndo pedir comida. O que vi foi alarmante, a pandemia vai aumentar muito as desigualdades sociais do nosso país”, lamenta Alcione.

Apenas durante os primeiros meses de isolamento social, de março até o final de agosto de 2020, os Amigos do Bem impactaram mais de 500 mil pessoas, distribuindo 1,52 milhão de quilos de alimentos, 352 milhões de litros de água e mais de 300 mil itens de saúde e higiene em 266 povoados. “Descobri um despertar da solidariedade. Um movimento que se expandiu historicamente, com muitas pessoas revendo seus propósitos de vida”, afirma Alcione.

Ela percebeu também, nas novas gerações, uma sensibilidade aos impactos sociais e um interesse por uma mudança positiva de hábitos e atitudes. Quase 10 mil voluntários se reuniram virtualmente para conseguir recursos para o projeto. “Inovamos nos meios de gestão e monitoramento das ações e criamos diversas campanhas digitais, formando uma verdadeira corrente de ação e de amor.”

Alcione se orgulha dos jovens do programa no sertão, que já atuam como agentes de transformação. Com alguns Amigos do Bem de São Paulo, eles viabilizaram as distribuições emergenciais, entregando de mão em mão as doações para os que mais precisavam. “E a tecnologia, que acelerou tudo, estará cada vez mais presente no nosso dia a dia. Estou buscando levar isso ao Nordeste para que nossas crianças tenham acesso à inclusão digital.”

Como diz Alcione, tudo parou, mas a fome não para. “Essa é uma batalha diária. Se não agirmos hoje, veremos nossos netos e bisnetos em um país com uma desigualdade ainda mais gritante. Somos muito gratos a todos os amigos e empresas que nos ajudaram a chegar até aqui. Mas ainda há muito a ser feito.”

Alcione conta que aprendeu a fazer o bem com a mãe, dona Guiomar de Oliveira Albanesi. “O bem se aprende, se ensina! Minha mãe fundou 11 creches na periferia de São Paulo, cuidando de milhares de crianças carentes. Foi onde comecei, ainda criança, meus primeiros trabalhos voluntários. Todo mundo pode fazer o bem, e isso é a melhor sensação da vida.”

Os quatro filhos de Alcione também são voluntários ativos e viajam frequentemente para o sertão. Ela é uma mulher cheia de energia, garra e otimismo, que não se curva diante dos obstáculos de uma obra desafiadora como a que vem construindo. “Para fazer um trabalho como este, é preciso coragem, determinação e muitos Amigos. O meu lema de vida assim descrevo: ‘Se não posso fazer tudo o que devo, devo, ao menos, fazer tudo o que posso!’ Com a sua experiência de vida e sua imensa capacidade de realização e doação, Alcione Albanesi quer ajudar a multiplicar o bem: “Não acredito no bem que eu faço, mas no bem que muitas pessoas fazem.”