Por Marcela Rossiter
No momento em que o Brasil enfrentava a maior crise sanitária de sua história, assistimos à entrada de 40 novos nomes para a lista de bilionários do país. O fato, desconcertante em uma das nações mais desiguais do mundo, levanta um importante questionamento: qual o papel das empresas na transformação desse cenário? E mais: com a volta de 17 milhões de brasileiros para situação de pobreza somente neste ano, ainda deveria existir espaço para negócios que visam somente a geração de lucro?
Mais do que nunca, são fundamentais as iniciativas que prezam pela responsabilidade social em prol de práticas sustentáveis, conscientes e benéficas tanto para a sociedade quanto para o meio ambiente. Conceito ainda novo e em disputa, o empreendedorismo social busca, em resumo, ressignificar o modo de empreender e tem como objetivo solucionar desafios sociais e ambientais.
Conversamos sobre o tema com Patrícia Dranoff, profissional criativa com formação em Design e concentração em impacto social.
Voluntariado X empreendedorismo social
Diferentemente do voluntariado, que depende da doação de recursos de terceiros, o empreendedorismo social engloba iniciativas que, por meio de produtos e serviços, enfrentam questões que nem o Estado, nem o mercado, são capazes de solucionar isoladamente. Mas, longe de serem iniciativas antagônicas, os dois se complementam.
Por um lado, o voluntariado pode fornecer soluções mais imediatas a problemas sociais e ambientais. Por outro, o empreendedorismo social, no geral, tende a estimular mudanças mais perenes, a partir de modelos de negócio autossustentáveis.
“Já fiz muitos trabalhos para ONGs e instituições beneficentes sem um contexto comercial e também atuei em empresas que promovem o impacto social por meio de produtos, com um fim comercial. Vejo os impactos das duas formas. Sinto que o que tem o lado comercial se autossustenta muito mais do que um projeto que depende de doadores, patrocinadores ou da arrecadação de fundos. Acaba-se gastando muita energia e tempo tentando levantar fundos para bancar um projeto. Um produto comercializado para o mercado certo e da forma certa, se autossustenta. Sustentabilidade muitas vezes é vista na ótica do impacto no meio ambiente, mas também existe a sustentabilidade de um produto que existe no mundo por conta própria, porque tem uma demanda, uma cadeia de produção…”, diz Patrícia.
Responsabilidade social e criação de oportunidades
O debate em torno da responsabilidade social oferece um respiro necessário a iniciativas tão pontuais no mundo dos negócios (interessante ver as críticas que apontam o greenwashing, pink money etc. por parte de grandes empresas). O caminho para um futuro mais justo passa por iniciativas estruturadas com o propósito de melhorar a qualidade de vida das pessoas, nas quais o impacto social é considerado tanto no nível do consumidor ou usuário, quanto em sua missão e sua cadeia produtiva.
“Tenho pensado bastante ultimamente que o trabalho voluntário e o empreendedorismo social são sobre oportunidade. Especialmente como designer, é interessante pensar na parte da fabricação dos produtos, por quem eles são feitos e como são feitos, e como criar produtos que possam ser feitos por pessoas que não tenham todas as qualificações, mas que possam ser capacitadas. Uma simples oportunidade pode mudar a vida de alguém.”

Ou seja, o empreendedorismo e o voluntariado são universos que conversam entre si e podem ser consequência um do outro. Afinal, empreender com propósito e responsabilidade exige um olhar cuidadoso não só ao produto/serviço final, mas a todo o processo de produção.
Um caminho para o empreendedorismo social
Voluntária no Brasil e nos Estados Unidos na infância e adolescência, Patrícia conta que foi esse tipo de atividade que a formou enquanto pessoa e profissional. “Nos Estados Unidos, trabalhei seis anos com o Friendship Circle, uma ONG que presta serviços para crianças e adolescentes com necessidades especiais, tanto físicas quanto cognitivas. A gente criava um espaço no qual essas crianças podiam se divertir e curtir”, ela conta. Muitas vezes isoladas de grupos sociais em suas escolas e medicalizadas no contra-turno, a iniciativa se dirige ao desafio da carência de convívio social por parte desse público.
“No Brasil, dei muitas aulas de arte em comunidades, em escolas, creches… Trabalhei com o Instituto Prof, que fica em Paraisópolis e em uma comunidade chamada Vila Nova Esperança, perto de Cotia. Sempre gostei de trabalhar com jovens de idades parecidas com a minha. Para mim, era muito legal aprender junto a eles. É muito enriquecedor ter uma experiência completamente diferente da sua. Aprendi a não fazer tantos julgamentos.”
Esse é, para muitos, o primeiro passo em direção a carreiras no mundo do empreendedorismo. Afinal, práticas sustentáveis e conscientes promovem ambientes de negócios que inspiram mais confiança e impulsionam melhores resultados financeiros, de acordo com estudo do Boston Consulting Group.
A prática do voluntariado não apenas gera transformação em nível local, nacional e global, como desencadeia processos individuais de autoconhecimento, fortalece a capacidade de comunicação e de tomada de decisões em cenários complexos – características muito importantes para qualquer empreendedor ou empreendedora.

E você? Já pensou em empreender ou admira alguma iniciativa nesse sentido?