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Refazendo Paraisópolis

Favela referência em São Paulo, Paraisópolis mantém há um ano horta comunitária que vem transformando a vida da população local

por Chantal Brissac

Matéria publicada na Folha de S. Paulo

A comunidade de Paraisópolis está mais verde, inclusiva e saudável. O projeto AgroFavela fechou o ano de 2021 com duas toneladas de hortaliças cultivadas e distribuídas para os moradores.

Desde outubro de 2020, o pavilhão principal de Paraisópolis, um espaço de 900 m², se transformou em uma linda fazenda urbana: horta vertical hidropônica com capacidade para 960 pés de hortaliças e, no chão, canteiros e caixas onde brotam 60 tipos de legumes, verduras, ervas aromáticas, flores comestíveis e frutas.

Toda a colheita é doada à população – hoje são 100 mil pessoas nesta cidade – e ao projeto Mãos de Maria, que produz quentinhas para os moradores e mantém um restaurante local. Qualquer pessoa da comunidade pode receber as hortaliças, basta se inscrever no pavilhão.

“Quem conheceu o pavilhão antes e o visita hoje vê uma diferença enorme”, diz Gilson Rodrigues, presidente do G10 Favelas, bloco de líderes e empreendedores formado por moradores das dez maiores comunidades do Brasil.

Gilson Rodrigues, presidente do G10 Favelas

O terreno árido e cinza se transformou num espaço verdejante e fresco, um oásis no meio da favela. “Virou terapia para muitas pessoas passar um tempo na horta, ajudar a cuidar e ver as plantas crescerem”.

Tia inspirou o projeto

Gilson é o idealizador do AgroFavela, que começou a se desenhar na sua cabeça ainda em Itambé, na Bahia, sua cidade natal. “Eu chegava na casa da tia Vitória, de 108 anos, e via que ela tinha uma horta imensa no quintal. E matutava por que as pessoas em São Paulo não têm horta. Um dia subi nas lajes dos moradores, olhei para tudo aquilo e pensei que era lá mesmo, em cima de cada laje, que podia caber uma horta”.

Em 2017, nasceu o Horta na Laje, com suporte do Instituto Stop Hunger, ligado ao grupo Sodexo. O objetivo era capacitar as pessoas a cultivar hortaliças em casa, gerando saúde e renda. Com parceria de professores de Agronomia da Unesp, o projeto ganhou vários prêmios e tornou-se o coração do Bistrô Mãos de Maria, iniciativa que empodera mulheres pela gastronomia e vende refeições a preços populares.

Veio a pandemia, o projeto foi interrompido e em outubro de 2020 tomou fôlego e encorpou, virando a grande horta comunitária batizada “AgroFavela-ReFazenda”, em homenagem à música de Gilberto Gil.

Desde então, as duas toneladas de hortaliças orgânicas produzidas já beneficiaram 2.556 famílias e 12.780 pessoas, além das 11.000 que recebem diariamente marmitas gratuitas do projeto Mãos de Maria, feitas com os ingredientes da horta.

Empoderamento feminino

Nesse ano, mais de 300 pessoas receberam treinamento por meio das oficinas, sendo 284 mulheres e 16 homens. “Nosso objetivo é que as mulheres levem esse conceito para suas casas, suas lajes, criando hortas verticais em baldes, garrafas pet, vasos, e ofereçam uma alimentação mais saudável para suas famílias. O foco é o empoderamento feminino, mas o projeto é aberto a todos”, afirma Davi Barreto, superintendente do Instituto Stop Hunger.

Gilson Rodrigues quer combater a fome e a desnutrição não só em Paraisópolis, mas em muitas outras comunidades. É o caso de Heliópolis, maior favela de São Paulo, com cerca de 200 mil habitantes, que iniciou o AgroFavela em março de 2021. Com o mesmo sistema vertical e orgânico, oficinas para os moradores e suporte técnico e financeiro do Stop Hunger.

Favela potente

Ele é responsável pelo salto de crescimento que colocou Paraisópolis como a comunidade mais bem organizada da capital paulista, com várias ações para reduzir o impacto da pandemia. “As favelas já olham para Paraisópolis como referência, então ela não pode dar errado, tem a responsabilidade de ajudar a puxar outras favelas em São Paulo e em todo o Brasil”.

Morador de Paraisópolis desde a infância, o ex-líder do grêmio estudantil no ensino médio montou o G10 Favelas há dois anos, para escalar todas as iniciativas que ele e os moradores conseguiram fazer na favela do bairro do Morumbi. “O G10 é fruto do nosso desejo de querer prosperar e mostrar uma favela potente, nunca carente, uma favela que consegue achar suas próprias soluções, porque no dia a dia a gente é visto como marginal, pobrinho, coitadinho, violento. Não é essa favela que a gente conhece nem que a gente quer ser. É a partir dessa perspectiva que decidimos criar um novo olhar, trazendo também a formação de líderes”.

Paraisópolis concentra hoje 26 projetos sociais e um hub de aceleração de negócios para os moradores. Gilson agora está atrás de um espaço maior, em cidades no entorno de São Paulo, para criar uma grande fazenda urbana e ajudar mais pessoas durante essa crise. “A experiência de Paraisópolis pode se espalhar e abastecer os lugares mais carentes. É simples, fácil, barato e pode ser feito nas lajes, no alto dos prédios e nos quintais, trazendo mais verde para São Paulo, super impermeabilizada nesses anos todos. Daqui um tempo, quando as pessoas passarem de helicóptero ou de avião sobre Paraisópolis e outras favelas, eu quero que elas vejam aquele verde todo em cima das casas, reflexo do que as nossas fazendeiras urbanas podem fazer, usando seus espaços ociosos para alimentar as pessoas”.