Por Isabella Goulart
Segundo dados da ONU, o Brasil desperdiça cerca de 27 milhões de toneladas de alimentos por ano. Além de esta ser uma das grandes causas da insegurança alimentar, esse descarte também afeta o meio ambiente. A quantidade de água utilizada na produção em larga escala, o desmatamento e o consumo de energia podem acarretar consequências irreversíveis para o ecossistema.
Natália Rodrigues, nutricionista voluntária da ONG Banco de Alimentos, conta que uma das maiores dificuldades enfrentadas é a procura por apoio na obtenção de alimentos, através de doações. A ONG é responsável por recolher e distribuir na cidade de São Paulo mantimentos que perderam o valor comercial, mas ainda estão aptos para consumo, e assim são direcionados para alimentar milhares de famílias, complementando suas refeições nutricionalmente.
Desde 1998, quando foi fundada pela economista Luciana Chinaglia Quintão, a ONG Banco de Alimentos beneficia 25 mil pessoas diariamente com suas doações, que envolveram nesses 24 anos 16 toneladas de alimentos. Na fase mais crítica da pandemia, a organização levou 5,6 milhões de quilos de alimentos a cinco estados do país, impactando 1,5 milhão de brasileiros.
As doações de legumes, massas, frutas, entre outros alimentos, são feitas por parceiros da ONG, que repassa tudo às entidades sociais cadastradas no projeto.
Cresce a insegurança alimentar
No site do Banco de Alimentos, Luciana Quintão, pioneira no combate à fome no Brasil, e autora do livro “Inteligência Social: a perspectiva de um mundo sem fome”, expressa seu inconformismo com a situação atual: “Em 2022 somos, oficialmente, uma nação onde 125 milhões de pessoas vivem em estado de insegurança alimentar. Aproximadamente, metade da população brasileira. Quase ⅓ da população sem condições mínimas de viver dignamente, nem mesmo para comer na quantidade e qualidade adequadas à vida saudável. Tudo isso enquanto o Brasil lidera o ranking mundial de produção e exportação de diversos alimentos básicos, como soja, carne de frango, açúcar, entre outros. É inacreditável. É inaceitável. Só será possível mudar o destino de nosso país se investirmos em educação para que os jovens construam uma sociedade mais consciente, participativa e eficiente. Só seremos uma nação quando a fome não for mais um impeditivo para termos cidadãos participativos na construção da grande família brasileira”.

É importante que essa movimentação voluntária de doar alimentos bons para consumo seja incentivada, para que mais pessoas ajudadas pela ONG tenham comida de qualidade em suas casas.
O desperdício não prejudica apenas o meio ambiente, mas também a saúde das pessoas, pois dificulta o acesso a alimentos de qualidade por pessoas de baixa renda. Produtos industrializados e não perecíveis são hoje mais consumidos por essa população, por serem mais baratos do que legumes, verduras, frutas, grãos, ovos e carnes. Só que esses produtos ultraprocessados, de alto teor calórico, possuem baixíssimo nível nutricional e grandes quantidades de substâncias químicas, como conservantes, estabilizantes, corantes, acidulantes, além de muito sal e açúcar.
Aproveitamento integral dos alimentos pode ajudar
Natália Rodrigues comenta a importância de aproveitar integralmente verduras, legumes e frutas. “Talos, caules, folhas e sementes que, majoritariamente, vão para o lixo, são ótimos componentes para reutilização em refeições diferentes. Conhecer os alimentos e suas características nutricionais são essenciais para uma escolha mais consciente na hora de fazer as compras. Nem todos sabem, mas a rama da cenoura, as folhas de couve-flor e os talos e folhas da beterraba têm mais nutrientes do que as partes que usualmente consumimos. O cenário se complica quando supermercados, hortifrutis e feirantes retiram estas partes antes do consumidor comprá-las. Quando as pessoas compram alimentos, elas estão pagando por sua integralidade. Deixar de levar a rama da cenoura pra casa e usá-la em suas receitas é, além de jogar dinheiro fora, um desperdício de importantes nutrientes”, pontua a nutricionista.
Talos de couve, casca de beterraba e da banana podem ser usados para compor uma torta, um bolo, um pão ou uma sopa, em refeições que se tornam mais ricas nutricionalmente. Nutricionistas sugerem também cozinhar o arroz e o feijão com partes da casca de abóbora, o que aumenta não só a quantidade de fibras, mas de zinco, um importante fortalecedor do sistema imune.
E as frutas? A mesma coisa. Não se deve desprezar a parte branca da melancia, por exemplo. Esta área próxima da casca é rica em citrulina, que melhora a circulação sanguínea, além de ser um bom antioxidante. A cultura do desperdício é um dos fatores que impulsionam a fome no Brasil, e esta é uma questão que passa pela empatia, pela solidariedade, por políticas públicas e também pela educação.